TRADUÇÃO PARA DUBLAGEM – UM ESTUDO
SOBRE A DUBLAGEM DE GAME OF THRONES PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL
Flávia Laira
Pós-Graduação em Tradução de Inglês
Universidade Estácio de
Sá, São Paulo, Brasil
flavialaira@yahoo.com.br
RESUMO
Na tradução para legendagem,
Collet (2011) e Esqueda (2012) viram que a neutralização foi a estratégia mais
utilizada pelos tradutores diante do palavrão nas falas dos personagens. Mas e
na tradução para dublagem? Sabemos que a escolha da palavra no processo
tradutório interfere nas características do personagem (ECO, 2011; CATRYSSE
& GAMBIER, 2008). Este artigo, então, analisou essa interferência no uso ou
não uso do palavrão na dublagem de Valar Dohaeris (episódio 301, 3ª temporada) da série Game of
Thrones, bem como a estratégia, segundo Gambier (2003 apud ESQUEDA, 2012) mais utilizada pela tradutora de dublagem. As
falas de cada personagem foram escritas em uma planilha, sendo possível a
melhor visualização de legenda – dublagem – fala original. A análise mostrou
que a neutralização não prevaleceu como estratégia mais usada na tradução de
palavrões para a dublagem e indicou um pequeno desvio nas características de um
dos personagens da série.
Palavras-Chave: tradução – dublagem –
palavrão – caracterização de personagem.
ABSTRACT
In translation for subtitling, Collet (2011)
and Esqueda (2012) verified neutralization as the strategy most used by
translators when they are up against swearwords in characters’ speeches. And in
dubbing? What is the strategy most used in translation for dubbing? We know
that the choice of a word in the translation process interferes with the
character’s features (ECO, 2011; CATRYSSE & GAMBIER, 2008). So, this
article analyzed such interference in the use or non-use of swearwords in
dubbing of Valar Dohaeris (episode 301, 3ͬ ͩ season) of Game of Thrones series,
and the strategy, according to Gambier (2003 apud ESQUEDA, 2012) most used by the translator for dubbing. The
lines of each character were written on a worksheet, enabling better visualization
of subtitling – dubbing – original speech. Analysis showed that neutralization
was not the strategy most used in translation of swearwords for dubbing and it
also indicated a small shift in the features of one character in the series.
Keywords:
translation – dubbing – swearword – character’s features.
No
livro Quase a Mesma Coisa, de Umberto Eco (2011, p.28), verifica-se que a
escolha da unidade lexical na tradução influencia na caracterização dos
personagens. Recentemente, alguns estudos na área de tradução audiovisual
tiveram como foco a escolha de unidades lexicais na tradução de palavrões para
legendagem. Collet (2011, p.1) em seus estudos definiu palavrão como sinônimo
de baixo calão, significando blasfêmia, xingamentos, maldições e tabus. Já
Esqueda (2012, p.159) apontou que o uso dos palavrões pertence a um determinado
grupo social afetado por um ambiente hostil, significando o palavrão como a
expressão de descontentamento, irritação e pânico.
Analisando o impacto do uso ou não uso dos palavrões nas
traduções para legenda, as duas autoras constataram que a estratégia mais
utilizada foi a de neutralização (GAMBIER, 2003 apud ESQUEDA, 2012, p. 150). Mas e na dublagem? Essa estratégia
prevalece ou há a tentativa de equivalência ou omissão quando se usa a linguagem
verbal?
Este artigo, de caráter qualitativo, tem como corpus de
pesquisa as falas traduzidas para a dublagem do primeiro episódio da terceira
temporada de Game of Thrones. Aponta as escolhas lexicais tomadas pela tradutora
da dublagem quanto ao uso ou não uso do palavrão, verificando quais estratégias
aparecem mais nesse corpus; discute se determinadas escolhas na tradução influenciaram
ou não na caracterização de personagens da série e; se houve diferença na
compreensão do público alvo diante dessas escolhas.
Tratando-se de tradução para dublagem, na primeira parte
veremos uma breve explicação sobre o lip-sync
(LUYKEN apud MACHADO, 2012, p.16) - termo
técnico para sincronização labial utilizado no processo de dublagem, assim como
uma explicação detalhada sobre os tipos de sincronismo e quais deles o bom
tradutor deve atentar-se e, uma breve explicação sobre o tipo de registro
utilizado para legendagem e dublagem, o qual se difere no grau de formalismo
(RODRIGUES, 2004, p.12). Posteriormente há a análise minuciosa feita a partir
das escolhas de unidades lexicais adotadas pela tradutora de dublagem,
especificamente no impacto causado no público quanto ao uso de palavras de
baixo calão - para as análises de uso de palavrões foram tomados os conceitos
de Gambier (2003 apud ESQUEDA, 2012,
p. 150), e a definição dos palavrões segundo os dicionários Aurélio e Houaiss,
ambos online, para as palavras em português. E para os termos em inglês, os
dicionários Oxford Online e Cambridge Online.
Para facilitar a análise, uma planilha foi montada com as
transcrições das falas, assim como as legendas e, encontrando o foco do
presente estudo, parte do roteiro original também foi analisado. Essas
falas estão separadas por número e tempo, facilitando a localização delas tanto
na planilha quanto no vídeo.
1.1 ALGUMAS
CARACTERÍSTICAS DA TRADUÇÃO PARA DUBLAGEM
Os trabalhos profissionais na área de tradução para dublagem
vêm crescendo. Segundo BARROS (2006, p.50), a dublagem é utilizada largamente
como um meio de reprodução dos filmes para o cinema e a televisão e, incluindo
aqui as séries também, por grande parte das emissoras e distribuidoras.
Com todo esse crescimento é preciso se atentar à qualidade
das traduções feitas para a dublagem. Um dos fatores que alteram essa qualidade
é o lip-sync, o qual, segundo Dilma
Machado (2012, p.27) “é um termo técnico para combinar os movimentos dos lábios
com a voz”. Trata-se de uma das técnicas utilizadas pelos tradutores, garantindo
qualidade à dublagem, pois:
(...) a falta de sincronismo
nos filmes ou séries televisivas dublados, em uma tradição em que a sincronia é
normativa ou regulamentada, por exemplo, pode ser recebida pelo público como um
mecanismo negativo. (CHAUME, 2007, p. 72,
tradução nossa)[1].
Como exemplo de sincronismo – lip-sync – pode-se analisar a seguinte fala de Game of Thrones, em
que o dublador sincroniza a tradução da fala de acordo com o movimento labial do
personagem Mormont. Essa fala, em particular, deixa o trabalho do tradutor para
dublagem mais fácil, pois o movimento labial que é preciso para: look at me assemelha-se ao movimento
labial necessário para a tradução literal em português brasileiro (SOUZA, 1998,
p. 51): olhe pra mim. Trata-se da
cena em que Mormont questiona Tarly sobre o envio ou não dos corvos:
FALA 3
|
|||||||||||
Constata-se com essa fala também, uma das diferenças entre
legendagem e dublagem na pesquisa de Barros (2006, p.68), em que as legendas precisam
se conter à estrutura da língua escrita, ou seja, a legenda precisa ser escrita
de acordo com as normas formais da língua portuguesa brasileira, servindo de
base até para alfabetização: o tradutor da legenda escreve olhe para mim, e já a tradutora da dublagem
segue a linguagem coloquial: olhe pra
mim.
Abaixo há uma fala de Melisandre, na cena em que ela provoca
Davos, descrevendo-lhe o ataque com o líquido inflamável na Baía da Água Negra.
Aqui também há um bom lip-sync, onde
a tradutora utiliza a tradução literal:
FALA 522
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:41:30,652 --> 00:41:32,898
|
|
|
clamando por suas mães...
|
clamando por suas mães...
|
crying for their moms...
|
As duas falas acima se referem ao sincronismo labial total,
pois “quando o que o telespectador ouve e vê na tela não soa como uma tradução,
mas o discurso da língua meta parece estar sendo falado pelo próprio ator ao
qual estão assistindo.” (GOTLIEB apud MACHADO,
2012, p. 14)
No entanto, esse sincronismo labial total não acontece na
cena em que Jon Snow se apresenta a Mance Rayder :
FALA 97
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:12:38,637 --> 00:12:39,990
|
|
|
então, você também é.
|
você também é traidor.
|
you are too.
|
Se a tradutora optasse por deixar a tradução literal de you are too, a fala em português sairia
como a da legenda: você também é, o
que não é favorável para um bom lip-sync.
Assim, a escolha por: você também é
traidor, em que a sílaba dor de traidor se aproxima do movimento labial
feito para too melhora essa sincronização
dando à dublagem um caráter mais natural. Nesse trecho constata-se o conceito
de sincronismo fonético (CHAUME apud
MACHADO, 2012, p.16), ou seja, o ajuste da tradução aos lábios do personagem.
Essa mesma definição também é a de sincronismo bilabial (GOTLIEB apud MACHADO, 2012, p.13):
(...) há uma priorização importantíssima na questão
das bilabiais principalmente quando a cena é em close-up. É preciso que o
tradutor fique atento nesse tipo de cena e procure palavras da língua meta que
terminem com uma vogal de mesmo timbre que o original. Se acaso isso não for
percebido, caberá ao diretor de dublagem corrigir a palavra para que ela
“combine” com o movimento bilabial do personagem, evitando que a qualidade da
dublagem fique ruim. (MACHADO, 2012, p.14)
Então, o papel do tradutor é crucial para um bom lip-sync e, dependendo do tipo de fala ou de cena, evidencia-se ou não o
movimento labial do personagem. Para tal, conforme Dilma Machado (2012, p.7),
os tradutores têm de pensar sobre:
- Tipo de fala ou diálogo:
- em off ou O.S. (Off
Screen): quando ouvimos apenas a fala, o personagem não aparece.
Verifica-se isso nesta fala de Talisa, quando ela implica com o tratamento que
Robb Stark dá a sua mãe Catelyn:
FALA 323
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:28:06,996 --> 00:28:08,423
|
|
|
É a sua mãe.
|
Ela é sua mãe.
|
She's your mother.
|
- em on: quando aparece o personagem. Nesta fala, Tyrion conversa com o
seu pai Tywin Lannister e pede reconhecimento pela batalha ganha na Baía da
Água Negra:
FALA 336
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:29:15,155 --> 00:29:17,464
|
|
|
Está gostando
|
Está gostando
|
Are you enjoying
|
da nova posição?
|
do seu novo cargo?
|
your new position?
|
- Tipo de cena:
- close-up, primeiro plano ou plano próximo: nesta cena temos o
close-up de Daenerys, ou seja, quando aparece apenas o rosto dela, em uma
conversa com Jorah Mormont, onde eles estão pensando em comprar o exército dos
Imaculados:
FALA 479
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:38:14,690 --> 00:38:16,408
|
|
|
Preciso de um exército.
|
Preciso de um exército.
|
I need an army.
|
- plano de conjunto: quando aparecem
vários outros personagens juntos. Aqui aparece Lorde Baelish ao fundo,
caminhando em direção a Sansa e Shae, as quais estão sentadas. Apenas a
personagem Sansa fala, antes de ser interrompida por Baelish:
FALA 438
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:34:49,792 --> 00:34:53,529
|
|
|
Porque a verdade
sempre é horrível ou tediosa.
|
Porque a verdade
ou é sempre terrível ou é chata.
|
Because
the truth
is
always terrible or boring.
|
- plano médio: onde aparece pelo menos
um personagem na cena, em um ambiente. Aqui, como exemplo, a cena mostra Davos,
sozinho, pedindo socorro em uma pequena ilha, depois de ter sido derrotado
pelos Lannisters na batalha da Baía da Água Negra:
FALA 244
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:21:37,118 --> 00:21:38,153
|
|
|
Ajude-me!
|
Me ajudem.
|
Help me!
|
- plano detalhe: a cena mostra parte
do corpo do personagem. Neste caso, temos como exemplo a cena em que Tywin
Lannister aparece de costas, respondendo ao pedido de reconhecimento feito
anteriormente por Tyrion:
FALA 373
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:31:10,273 --> 00:31:12,480
|
|
|
Diga-me o que quer.
|
Me diga o que você quer.
|
Tell
me what do you want.
|
Há também a narração ou Voice
Over (V.O.), e o tradutor deve se atentar à entrada e saída da fala apenas,
pois assim como o plano detalhe e a fala em off,
a movimentação labial do personagem não fica em evidência. Essa definição de
V.O. utilizada nos roteiros de filmes difere daquela empregada nos meios de
tradução audiovisual. V.O. nos roteiros é simplesmente um aviso de que a fala
de determinado personagem será narrada por ele. Já V.O., na tradução
audiovisual, mantém-se a fala original em baixo volume, evidenciando a fala do
dublador. Um exemplo de narração não foi encontrado nesse episódio, porém mais
adiante veremos exemplos de V.O. na tradução audiovisual.
2.
O IMPACTO DO
USO E DA OMISSÃO DE PALAVRÕES NA DUBLAGEM
Aqui, o termo palavrão se refere aos termos pejorativos, usados
para insultar ou denegrir o outro. Tomemos a definição do Dicionário do Aurélio
Online: “s.m. Palavra grande e de
pronúncia difícil. / Palavra obscena, grosseira, pornográfica; palavrada”. Já no Dicionário
Houaiss Online:
expressão
pomposa e empolada (supedâneo e turpilóquio são p. cujo emprego este jornal não
permite). 2. (1881) palavra grande e de pronúncia difícil (ultramicroscopicossilicovulcanoconiose
é um p.!) 3. Palavra grosseira e/ou obscena (um texto de teatro cheio de
palavrões).
Diante das várias considerações estabelecidas para a
definição de palavrão, ficamos com aquela em que existe sim a intenção de se
constranger alguém. Segundo Orsi (2011, p.340), “Os palavrões podem ser
definidos também como injúrias, que são, por definição, um atentado a outrem,
uma ofensa.”
Para analisar os palavrões no 1° episódio da 3ª temporada de
Game of Thrones, quatro
falas foram escolhidas:
FALA 341
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:29:29,677 --> 00:29:32,865
|
|
|
Você deitou com uma prostituta
|
Levou uma puta
|
You brought a whore
|
na minha cama.
|
para minha cama.
|
into my bed.
|
FALA 415
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:33:32,555 --> 00:33:36,093
|
|
|
Enforcarei a próxima prostituta
|
A próxima puta
|
The next whore
|
que encontrar na sua cama.
|
que eu pegar na sua cama eu enforco.
|
I catch in your
bed. I'll hang.
|
FALA 657
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:49:50,626 --> 00:49:53,005
|
|
|
Diga à cadela ignorante...
|
E diga a essa puta ignorante
|
Ivetra beza live endia dovodedha.... (Tell this
ignorant whore...)
|
FALA 687
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:51:45,709 --> 00:51:48,301
|
|
|
Diga à cadela de Westeros...
|
E diga à puta de Westeros...
|
Ivetra ji live
Vesterozia...(Tell the westerosi whore...)
|
Vejamos o uso da palavra whore
no roteiro original das quatro falas. Segundo o Oxford Dictionary Online, whore significa: “noun. derogatory. a prostitute”, ou seja, um substantivo
pejorativo, depreciativo para prostituta. Já no Cambridge Dictionary Online, whore
significa: “noun. old-fashioned: a
female prostitute. offensive: a woman whose behavior in her relashionships is
considered immoral”. Traduzindo: substantivo.
brega: mulher que se prostitui. ofensivo: uma mulher cujo comportamento em seus
relacionamentos é considerado imoral.
Na legenda das falas 341 e 415 a tradução ficou como prostituta. No Dicionário do Aurélio
Online, prostituta significa: “adj. e
s.f. Mulher que se prostitui, que tem relações sexuais por dinheiro; meretriz.
/ Gír. Piranha”. Já no Dicionário Houaiss Online: “substantivo feminino. Mulher que exerce a prostituição”. Nas
falas 657 e 687, o tradutor da legenda optou por cadela, cuja definição no Dicionário do Aurélio é “s.f. Fêmea do cão. / Pop. Mulher de mau
comportamento. / Prostituta”. E no Dicionário Houaiss significa “1. Fêmea do cão. 2. Pej. Mulher pouco digna,
de baixa condição social ou de comportamento ou hábitos reprováveis. 2.1 mulher
vulgar, desavergonhada. 3. Pej. Prostituta.”
Já na dublagem, a tradutora precisou usar a palavra puta em todas as quatro falas acima,
sendo uma exigência do cliente, embora ela tenha optado também por ora safada ora vagabunda, com a intenção de não soar muito repetitivo (MACHADO,
2014).
Vejamos, no Dicionário Houaiss, as seguintes definições para
puta:
prostituta. qualquer mulher lúbrica que se entregue à libertinagem.
Termo que se emprega antepositivamente como hiperbolizante, no sentido de ‘grande,
enorme, fantástico, excelente, sensacional’ etc. (levou dois puta abraços) (deu
uma puta festa de aniversário) (ele é um puta amigo) (fazíamos umas putas
farras em Salvador).
No Dicionário do Aurélio Online: “s.f. Pop. Prostituta. (Sin.: meretriz, rameira, marafona”.
Pode-se dizer, diante de tais definições, que o uso de puta para a tradução de whore
se aproximou da fala original, assim como o uso de cadela. Pois os personagens usaram o termo pejorativo da palavra, e
não o termo que define formalmente a profissão de uma pessoa. Como se trata de
uma fala tipo off (FALA 341) e cena
plano detalhe (FALA 687) – em que os movimentos labiais não aparecem, sendo
preciso apenas se atentar à entrada e saída da fala do personagem; e, fala tipo on e cena plano de conjunto (FALAS 415
E 657) – os movimentos labiais do personagem não são focados –, a tradutora
poderia ter escolhido tanto puta
quanto prostituta para sua tradução.
Baseando-se nas estratégias de Gambier (GAMBIER apud ESQUEDA, 2012, p.150), é possível dizer que a tradutora da
dublagem usou a equivalência quando traduziu whore como puta.
Abaixo temos a palavra slut.
FALA 629
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:21,295 -->
00:48:23,860
|
|
|
Diga para a
vagabunda de cabelos prateados...
|
Fala original em Valiriano
|
Ivetra ji rene eji oghrar gelinko sko majorozlivis eva
ruhilis. (Tell the silver-haired slut...
|
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:23,860 -->
00:48:27,114
|
|
|
que eles ficam de pé
até caírem.
|
Fala original em
Valiriano.
|
they will each stand until they drop)
|
No Dicionário Oxford Online: “noun. Derogatory. 1 a woman
who has many casual sexual partners. 2 dated a woman with low standards of cleanliness”. Que para o português seria: substantivo. Depreciativo. 1. Uma mulher com muitos parceiros
sexuais. 2. Fora de moda: uma mulher com pouca
higiene. No Dicionário Cambridge: “noun (sexually active woman) slang
disapproving. a woman who has sexual relationships with a lot of men without
any emotional involvement”. Ou seja: subst. (mulher sexualmente ativa) gíria de
desaprovação. Uma mulher que tem relações sexuais, sem envolvimento emocional,
com muitos homens. Para slut, o
tradutor para legenda escolheu a palavra vagabunda.
Segundo o Dicionário Houaiss,
vagabundo é um termo pejorativo, significando vadia. No Dicionário Aurélio: “adj. Que vagueia; errante; nômade: ciganos
vagabundos. / Que não trabalha ou não gosta de trabalhar; vadio: aluno
vagabundo. / Bras. Reles, ordinário, inferior, de má qualidade”.
Nessa fala não foi possível verificar a estratégia utilizada
pela tradutora da dublagem, pois a fala de Kraznys foi mantida no original (ou
utilizaram o Revoice[2]),
em língua Valiriana (língua fictícia presente na série). Isso se deve porque nesta
parte do episódio, Kraznys era acompanhado pela intérprete Missandei, a qual
traduzia o que ele falava para Daenerys. A tradução do Valiriano de Missandei
para Daenerys foi dublada e, quando
Missandei traduzia para Kraznys, utilizou-se o Voice Over, em que se é possível escutar Missandei falando Valiriano
em baixo volume, evidenciando a voz da dubladora, em português.
Mas foi possível verificar o impacto causado aos ouvintes,
pelo não uso do palavrão, quando Missandei traduz o que Kraznys fala para
Daenerys:
FALA 631
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:27,114 --> 00:48:29,321
|
|
|
Eles ficam de pé até caírem.
|
Eles ficarão de pé até caírem.
|
They will stand
until they drop.
|
Quando Missandei escolhe não traduzir a fala inteira de
Kraznys, por razões profissionais, interpretando apenas o que é essencial para
a situação (compra e venda do exército), a pessoa que opta assistir ao episódio
no modo dublado não percebe que Kraznys está o tempo todo debochando e
ofendendo Daenerys com palavrões – ao menos que a pessoa entenda Valiriano. Segundo
Machado (2014), as falas de Kraznys em Valiriano foram traduzidas para que
fossem legendadas, causando o impacto desejado. Porém, o cliente preferiu
omitir as legendas e utilizar o Voice
Over.Essa escolha contribuiu para que não houvesse a total
descaracterização do personagem Kraznys. A partir da quarta fala, utilizou-se o
o Voice Over da tradução audiovisual,
como se verifica nas falas citadas anteriormente 657 e 687. Com isso, ficou
possível entender que Kraznys falava somente em Valiriano e em quase toda sua
fala havia uma ofensa a Daenerys. Das doze falas de Kraznys, três foram mantidas
no original, em Valiriano, como a FALA 629 acima, e as seguintes:
FALA 624
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:03,589 -->
00:48:09,471
|
|
|
Fale para a puta de
Westeros que os lmaculados...
|
Fala original em Valiriano
|
Ivetra ji live Vesterozia
sko bezi Dovoghedi Kizir jortis me tovi si me banti... (Tell the
Westerosi whore that these Unsullied...
|
FALA 630
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:23,860
--> 00:48:27,114
|
|
|
que eles ficam
de pé até caírem.
|
Fala original
em Valiriano
|
... gelinko sko majorozlivis eva ruhilis... (they
will each stand until they drop…)
|
Em uma das falas houve a omissão do uso do palavrão no Voice Over, aparecendo apenas na legenda
conforme se verifica abaixo:
FALA 663
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:50:22,939 --> 00:50:24,568
|
|
|
A cadela burra sabe...
que cortamos os testículos deles?
(Essa fala não existe no script, porém aparece como
legenda em inglês no vídeo: Does the
dumb bitch know... we´ve cut off
their balls?
|
Os homens não
precisam de mamilos
|
Vali do ezi
jini va d’ovistos. (Men have no need of nipples).
|
A seguir estão as seis das nove falas onde se utilizou o V.O.
– três se encontram nas falas 657, 687 e 663, citadas anteriormente:
FALA 639
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:48:50,893 --> 00:48:54,366
|
|
|
Diga-lhe o que deve saber...
|
As porcas de Westeros são todas ignorantes?
|
Uni Begistos Vesterozii lis Kuni dovodedhi, kiz? (Are all
Westerosi pigs so ignorants?)
|
FALA 651
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:49:28,424 --> 00:49:31,575
|
|
|
Diga ao velho
|
Diga ao velho
|
Ivetra ji veby tuzis ez orgoz. (Tell the old man
|
que ele fede a urina.
|
que ele fede a urina.
|
he smells of piss.)
|
FALA 653
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:49:34,965 --> 00:49:36,218
|
|
|
Não, não é sério.
|
Não, não é verdade.
|
Do zvagizi, (No, not truly,)
|
FALA 662
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:50:18,370 --> 00:50:22,939
|
|
|
Ela está preocupada com os mamilos deles?
(Essa fala não existe no script, porém aparece como
legenda em inglês no vídeo: she´s
worried about their nipples?
|
Fale para a anã parar de lamuriar e isso não irá
machuca-lo muito.
|
Ivetra ji krubo klimagho ez grigrigho. Kizi do zer
honuzlivas kara odreta. (Tell the midget to stop bleading. This will do him
no great harm.
|
FALA 667
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:50:33,480 --> 00:50:35,062
|
|
|
Pronto. É tudo.
|
Pronto. Você pode ir.
|
Aot, av ididan. (Here,
I'm done with you.)
|
FALA 681
LEGENDA
|
DUBLAGEM
|
ORIGINAL
|
00:51:18,042 --> 00:51:21,955
|
|
|
Que tola chorona ela é.
|
Que chorona idiota.
|
Kuna mitty raba
vaovaori bezy! (What a soft mewling fool this one is.)
|
- CONCLUSÕES
Como foi analisado, nas falas 629 e 663, houve a
descaracterização de um dos personagens, devido ao fato dele não ter sido
dublado em português, permanecendo na língua Valiriana e, pelo comportamento da
personagem intérprete, dublada em português, quando decide não traduzir todos
os palavrões que escuta. Contudo, durante a cena, para o personagem em questão passa-se
a utilizar o Voice Over da tradução
audiovisual, sendo possível então, deixar claro para o público que se tratava
de um personagem que insultava sua cliente e que falava apenas a língua
Valiriana.
Verificou-se também que na tradução para dublagem, a
estratégia mais utilizada para esse episódio de Game of Thrones foi a equivalência
- uso de expressões idênticas (GAMBIER apud
ESQUEDA, 2011, p. 150), o que contribui para a não descaracterização de
personagem. Segundo Machado (2013), apesar da censura exigir que tais produções
sejam exibidas em determinados horários – geralmente mais tarde, à noite... – o
uso de palavrões em traduções transmite uma maior realidade ao telespectador,
pois se utiliza uma linguagem mais coloquial.
O fato de se utilizar uma linguagem mais coloquial é
característica da dublagem. Então, pode-se dizer que o uso da equivalência na
tradução para dublagem é predominante devido a esse fato. Porém,
a equivalência só é predominante quando o cliente
permite que ela exista. Ou seja, permite o uso de palavrões. No caso de Game Of
Thrones, isso é uma exceção, pois a
maioria dos clientes exige que o texto seja amenizado e com isso a estratégia
prevalente na tradução é a adaptação. (MACHADO,2014)
Mais estudos deverão ainda ser feitos em
torno das estratégias utilizadas no processo tradutório no que diz respeito às
escolhas das unidades lexicais, especificamente ao uso ou não uso do palavrão
em legendas e dublagens. Pois apesar do uso em legendas ter maior impacto do
que o uso na dublagem (IVARSSON & CARROL apud ESQUEDA, 2012), de acordo com Catrysse e Gambier (2008, p. 48)
as características dos personagens são também reveladas pelo o que eles dizem
ou não dizem. Com isso, é possível dizer que o impacto do uso de palavrões
passa a ser sempre positivo na medida em que se aproxima do falar natural do
público alvo e, principalmente, quando não interfere nas características que o
autor dá ao seu personagem.
4.
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